quarta-feira, março 28, 2007

Portugal sob o “Estado Novo”

ARIANE

Ariane é um navio.
Tem mastros, velas e bandeira à proa,
E chegou num dia branco, frio,
A este Tejo de Lisboa.

Carregado de Sonho fundeou,
Dentro da caridade destas grades...
Cisne de todos, que se foi, voltou
Só para os olhos de quem tem saudades...

Foram duas fragatas ver quem era
Um tal milagre assim: era um navio
Que se balança ali à minha espera
Entre gaivotas que se dão no rio.

Mas eu é que não pude ainda por meus passos
Sair desta prisão em corpo inteiro,
E levantar âncora, e cair nos braços
De Ariane, o veleiro.

Miguel Torga
Lisboa, Cadeia do Aljube, 1 de Janeiro de 1940

Poema escrito na prisão na sequência da publicação de O Quarto Dia da Criação do Mundo (impressões causadas pela guerra civil de Espanha). Foi preso pela PIDE no Portugal de Salazar.
Descreve a sua experiência de dois meses de prisão em O Quinto Dia da Criação do Mundo.




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