quarta-feira, julho 02, 2008

Epitalâmio

I
Abram-se as janelas para o dia entrar
Como um estampido ou como se fosse o mar!
Que nem um só recanto de sombra vã
Traga pensamentos nocturnos à manhã
Ou tenha coisas tristes a dizer,
Pois tudo neste dia é um prazer!
Esta manhã, manhã clara, o sol aberto
Ergueu-se da noite já liberto
Do abismo além do qual ficou detido
Na orla invista do horizonte perdido.
Desperta a noiva. Oh, como treme toda
Por sentir chegado o dia da boda
Cuja noite próxima, a carne aproximando
Dois corações díspares porá a bater.
Pensai como, alegre, o temor passando,
Nem os olhos abre temendo o prazer.
Da esperança dorida o momento chegado.
O como fazer mal adivinhado.
Oh, deixai-a esperar um momento, uma hora,
E preparar-se para aquela prova
Para a qual a mente jamais preparada!
Deste dia a vinda deixa-a meio irada.
Mesmo o que quer querendo, fica-se no gozo
De seus sonhos difusos, em lazer,
À beira lenta do sono que, ocioso,
A esperança das coisas vem desfazer.

Fernando Pessoa
Poesia Inglesa I
Trad. Luísa Freire

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