segunda-feira, abril 04, 2011

ABRIL


Queixa das Almas Jovens Censuradas



Dão-nos um lírio e um canivete


e uma alma para ir à escola


mais um letreiro que promete


raízes, hastes e corola.



Dão-nos um mapa imaginário


que tem a forma de uma cidade


mais um relógio e um calendário


onde não vem a nossa idade.



Dão-nos a honra de manequim


para dar corda à nossa ausência.


Dão-nos um prémio de ser assim


sem pecado e sem inocência.



Dão-nos um barco e um chapéu


para tirarmos o retrato.


Dão-nos bilhetes para o céu


levado à cena num teatro.



Penteiam-nos os crâneos ermos


com as cabeleiras das avós


para jamais nos parecermos


connosco quando estamos sós.



Dão-nos um bolo que é a história


da nossa historia sem enredo


e não nos soa na memória


outra palavra que o medo.



Temos fantasmas tão educados


que adormecemos no seu ombro


sonos vazios, despovoados


de personagens de assombro.



Dão-nos a capa do evangelho


e um pacote de tabaco.


dão-nos um pente e um espelho


pra pentearmos um macaco.



Dão-nos um cravo preso à cabeça


e uma cabeça presa à cintura


para que o corpo não pareça


a forma da alma que o procura.



Dão-nos um esquife feito de ferro


com embutidos de diamante


para organizar já o enterro


do nosso corpo mais adiante.



Dão-nos um nome e um jornal


um avião e um violino.


mas não nos dão o animal


que espeta os cornos no destino.



Dão-nos marujos de papelão


com carimbo no passaporte.


por isso a nossa dimensão


não é a vida. Nem é a morte.



Natália Correia


Poesia Completa


Publicações Dom Quixote


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