I
Poesia de inverno: poesia do tempo sem deuses
Escolha
Cuidadosa entre restos
Poesia das palavras envergonhadas
Poesia dos problemas de consciência das palavras
Poesia das palavras arrependidas
Quem ousaria dizer:
Seda nácar rosa
Árvore abstracta e desfolhada
No inverno de nossa descrença
II
Pinças assépticas
Colocam a palavra-coisa
Na linha do papel
Na prateleira das bibliotecas
III
Quem ousaria dizer:
Seda nácar rosa
Porque ninguém teceu com suas mãos a seda - em longos
dias em compridos fusos e com finos e sedosos dedos
E ninguém colheu na margem da manhã a rosa - leve e pesada
faca de doçura.
Pois o rio já não é sagrado e por isso nem sequer é rio
E o universo não brota das mãos de um deus do gesto e do
sopro de um deus da alegria e da veemência de um deus
E o homem pensando à margem do destino procura arranjar
licença de residência na caserna provisória dos sobreviventes.
IV
Meu coração busca as palavras do estio
Busca o estio prometido nas palavras
Sophia de Mello Breyner
Geografia (VI - VII - VIII) (1962)
Sophia de Mello Breyner
Geografia (VI - VII - VIII) (1962)
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