terça-feira, abril 12, 2011

ABRIL


Fala do Homem nascido

(Chega à boca de cena, e diz:)


Venho da terra assombrada do ventre de minha mãe; não pretendo roubar nada nem fazer mal a ninguém. Só quero o que me é devido por me trazerem aqui, que eu nem sequer fui ouvido no acto de que nasci. Trago boca para comer e olhos para desejar. Com licença, quero passar,

tenho pressa de viver.

Com licença! Com licença! Que a vida é água a correr. Venho do fundo do tempo não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada solta o pano rumo ao norte; meu desejo é passaporte para a fronteira fechada. Não há ventos que não prestem nem marés que não convenham, nem forças que me molestem, correntes que me detenham. Quero eu e a Natureza que a Natureza sou eu, e as forças da Natureza nunca ninguém as venceu. Com licença! Com licença! Que a barca se faz ao mar. Não há poder que me vença.

Mesmo morto hei-de passar. Com licença! Com licença!

Com rumo à estrela polar.


António Gedeão

Poemas Escolhidos Ed. João Sá da Costa

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